“Vai com medo mesmo”? Nem sempre. E eu te explico o porquê.

A frase “vai com medo mesmo” ganhou popularidade como um conselho inspirador. Ela aparece em posts motivacionais, em discursos de superação, nas redes sociais, e até como um mantra pessoal para quem quer romper barreiras. À primeira vista, parece um convite à coragem — um empurrãozinho necessário para sair da zona de conforto. Mas o que pouca gente questiona é o quanto essa frase pode ser perigosa quando tomada ao pé da letra.

Existe uma romantização crescente em torno da superação, onde toda forma de medo é tratada como algo a ser vencido, combatido, ignorado. O medo é retratado como o vilão da história — o responsável por impedir que sonhos se realizem ou metas sejam alcançadas. Mas será mesmo que ele é sempre um obstáculo?

Na verdade, o medo é uma das emoções mais importantes que temos. Ele atua como um sistema de alerta sofisticado, fruto da nossa própria evolução. Sentir medo não significa fraqueza; significa que o corpo e a mente estão captando informações que talvez você ainda não tenha racionalizado. É uma inteligência emocional e fisiológica que tenta preservar a sua segurança e integridade.

Quando usamos “vai com medo mesmo” de forma automática, corremos o risco de estimular ações impulsivas, tomadas de decisão mal estruturadas, ou até comportamentos autossabotadores. Em vez de coragem, o que pode acontecer é o abandono do próprio discernimento. E, mais do que isso, o afastamento de um elemento essencial para qualquer escolha bem feita: a escuta interna.

Os perigos de ir com medo

Nem toda ação tomada com medo é um ato de coragem. Muitas vezes, ela pode ser um ato de desconexão consigo mesmo.

É comum encontrar pessoas que tomam decisões movidas não pela vontade, mas pela pressão do ambiente, do grupo, das expectativas sociais. Elas seguem em frente com medo — não porque desejam de fato aquilo, mas porque têm vergonha de dizer “ainda não estou pronta”, ou sentem-se fracassadas por respeitarem seus próprios limites. A frase “vai com medo mesmo” pode servir como um disfarce para a autonegação.

Isso é ainda mais visível em contextos onde a performance é valorizada acima da saúde emocional. A pressão para produzir, crescer, mostrar resultado, “não parar nunca” pode transformar o medo em um sentimento proibido, quase vergonhoso. O problema é que, nesse cenário, muitas pessoas seguem em frente sem estar preparadas. E ao seguir assim, atropelam alertas internos, ultrapassam seus próprios limites e acabam adoecendo.

Ir com medo pode significar agir sem recursos, sem apoio, sem estrutura. E, em vez de fortalecer, isso enfraquece. Pode gerar frustrações profundas, aumentar a sensação de inadequação e comprometer a autoestima. Afinal, o esforço é enorme, o medo é ignorado… e o resultado nem sempre vem. O risco de trauma — físico, psicológico ou até profissional — se torna real.

Portanto, é preciso um olhar mais crítico e compassivo. Ir com medo pode ser bonito quando é uma escolha consciente, amparada por desejo genuíno e sustentada por autoconhecimento. Fora disso, pode ser apenas uma tentativa de cumprir um papel que o mundo espera de você — e não aquilo que faz sentido pra sua jornada.

A balança que ninguém te ensinou a usar

Existe uma pergunta que deveria anteceder toda tentativa de “ir com medo”: “Eu quero mesmo isso?”
E ela precisa ser respondida com sinceridade.

A balança entre medo e desejo é o verdadeiro ponto-chave. O medo não deve ser simplesmente vencido — ele precisa ser pesado diante do desejo real de seguir adiante. Quando há um desejo forte, profundo e verdadeiro, vale a pena enfrentar o medo. A vontade funciona como âncora e direção. Mesmo tremendo, você sabe por que está indo.

Mas quando esse desejo não existe — quando a vontade é fraca, confusa, ausente — talvez o medo esteja sinalizando que não é hora de agir ainda. Que falta preparo, tempo, estrutura. Que ainda é preciso cuidar de algo em você antes de dar o próximo passo.

Infelizmente, essa balança raramente é ensinada. Nos ensinam a ser valentes, a não demonstrar insegurança, a não desistir, a ser forte o tempo todo. Mas não nos ensinam a identificar o que realmente queremos, nem a respeitar o tempo do nosso processo. A consequência é que muitas pessoas avançam como se estivessem em guerra contra si mesmas — tentando calar o medo, quando o mais sensato seria escutá-lo.

Coragem não é ausência de medo. É presença de consciência.
E consciência envolve saber quando avançar… e quando recuar com dignidade.

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